Por Diogo Lopes de Oliveira
Projeto da SBPC/PB e da CUFA/PB proporciona uma profusão de saberes fundamentais para interpretar o mundo e resistir a uma época repleta de negacionismo
Em tempos de força dos movimentos anticiência; de sucateamento, egoísmo e exercício ilegítimo de poder e perda de autonomia nas universidades públicas; além de desprestígio e falta de investimentos no conhecimento científico de uma forma geral, no Brasil; eu frequentemente me questiono o que me faz continuar a ser professor de um curso de humanas em uma instituição federal de ensino superior no interior do nordeste brasileiro. O certo é que esse ambiente hostil nas universidades brasileiras, especialmente nos últimos seis ou sete anos –agravado pelos efeitos da pandemia, é claro– tem feito milhares de professoras(es) e pesquisadoras(es) brasileiras(os) encontrarem valorização e estrutura em outros países. Depois de quatro experiências fora do nosso país, ao longo da vida –três delas em universidades– eu mesmo me questiono muitas vezes o que me mantém aqui no país nesse contexto tão nefasto.
Recorrentemente chego à seguinte conclusão aos meus questionamentos profissionais: o que me faz seguir adiante são as relações que a universidade me proporciona. Essas interações acontecem com os meus alunos em sala de aula, com os meus orientandos na graduação e na pós, na produção junto a colegas que admiro, nas redes científicas das quais faço parte e, ainda, nos projetos de extensão, no contato com pessoas fora do ambiente acadêmico. São nesses encontros –todos com dinâmicas tão alteradas por conta da pandemia–, que me renovo, ganho estímulo, me sinto útil e penso que sou capaz de contribuir de alguma forma para ajudar a mudar realidades por meio da Comunicação. É por esses convívios que eu tenho dedicado 23 anos completos dos meus quase 41 a alguma universidade. Eu simplesmente sou apaixonado por pessoas e pelos caminhos que o conhecimento pode me conduzir, sempre conectado com a juventude e com o inovador.
Uma dessas experiências extremamente gratificantes é o Baile de Ciência nas Favelas, iniciativa da Secretaria Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC/PB) e da Central Única das Favelas da Paraíba (CUFA/PB). A ideia é criar um ambiente de escuta, empático, acolhedor e horizontal no qual todo o mundo se sinta à vontade para ensinar e aprender, exatamente como acontece em um baile. Nós somente substituímos, momentaneamente, os passos de dança pela troca de informações e experiências. Quando a pandemia acabar e os bailes puderem acontecer de forma presencial, as dinâmicas desse processo de intercâmbio de saberes será ainda mais rico!
Eu verdadeiramente acredito que um bom espaço é fundamental para estimularmos a nossa criatividade, nosso prazer em ensinar e aprender. Também creio que nesse processo de criação é preciso respeitar os tempos de cada uma e cada um. Isso é diametralmente oposto ao que tenho visto e sentido nos últimos em muitas universidades. A pressão, a cobrança extrema, a falta de empatia, respeito e uma estranha crença de que alguém pode produzir bem a partir do sofrimento, da angústia. Isso não faria sentido em momento algum, muito menos em um período pandêmico. Gostaria de ver as universidades sem hierarquias entre os segmentos –alunas e alunos; professoras e professores; técnicos e técnicas–, e todas e todos conscientes de que a universidade não funciona sem nenhum dos três (nem sem as equipes de segurança e limpeza tampouco). Nos bailes é essa energia que faz fluir o conhecimento, de parte a parte.
Portanto, é nos Bailes de Ciência nas Favelas que me encontro com o afeto, com aspectos que são eminentemente humanos e que entusiasmam, agregam, nos tornam vivos e vibrantes. A construção de cada encontro é bem simples: as líderes e os líderes comunitários das favelas atendidas pela CUFA/PB escolhem temas candentes e que são fundamentais no dia-a-dia delas e deles. Meu papel é ir atrás de professores, pesquisadores e especialistas e durante duas horas, a cada 15 dias, conduzir os encontros virtualmente. Em média, cerca de 20 líderes participam em cada baile. Já debatemos desinformação, arte e ciência, teologia, direitos humanos, capacitismo, racismo, saúde mental, o legado de Paulo Freire, feminismo, migrações, justiça climática, entre outros.
Ainda não sistematizei os dados sobre os bailes: não apliquei questionários, ainda não escrevi cientificamente sobre o projeto ou o apresentei em congressos, por exemplo. No entanto, quinzenalmente, eu encontro pessoas que batalham o dia inteiro e mantêm o interesse pelo conhecimento e que ao adquiri-lo querem repassá-lo, complementá-lo, repercuti-lo. A cada duas semanas, eu vivencio trocas riquíssimas de experiências entre quem adquire o conhecimento formal das universidades com quem o constrói a partir das vivências em quilombos e favelas, muitas vezes a partir de saberes tradicionais. A cada 15 dias, eu ouço depoimentos de quem encontra em espaços como os bailes, a força para resistir, para contestar, para pensar o mundo criticamente. Tudo isso, em um período de pandemia, sem nunca ter encontrado nenhuma nem nenhum líder pessoalmente. Nesses encontros, todas e todos ganhamos; todas e todos ensinamos e também aprendemos.
Por enquanto, os bailes são restritos às lideranças da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Mas eu adoraria ver essa iniciativa replicada em cada estado, integrando SBPC, CUFA e todas as instituições que defendem a ciência, a democracia, a justiça social, a inclusão, a cidadania e a dignidade humana. Eu entendo que os benefícios de enxergar o mundo pelas lentes da ciência contribuem para a criação de um ambiente como os dos bailes. Porque quem acredita na ciência respeita a diversidade e as evidências, ama o entendimento e busca incessantemente a inclusão.
Minha esperança é que a profusão de encontros como esse sirva para fazer das universidades brasileiras um espaço mais humano e ao mesmo tempo mais e mais pessoas compreendam a real função das instituições públicas de ensino superior: propor soluções para os problemas da sociedade por meio do conhecimento científico. Como professor, gostaria que as pessoas enxergassem a vida como um grande baile capaz de transformar realidades, especialmente a nossa, a brasileira, que tem raízes escravocratas, desiguais, elitistas e preconceituosas. Acredito no poder da comunicação pública da ciência para ajudar-nos nessa tarefa dificílima. Ela é a nossa melhor ferramenta para construir esse caminho. Sigam o baile!
Participantes relatam como o projeto impactou sua formação:
"Tem sido fundamental esse suporte que o Baile proporciona, na formação política, social e humana dessas lideranças. Poder promover, de forma continuada, palestras seguidas de rodas de conversa sobre temas apontados pelas próprias lideranças, a partir dos desafios enfrentados na ponta. Temas estes, mediados por pesquisadores acadêmicos é uma oportunidade não só para as lideranças alcançadas pelo projeto, mas para as suas comunidades, impactadas por essas lideranças. Encaro o Baile de Ciência nas Favelas como uma das grandes revoluções que tivemos acesso durante as adversidades da pandemia e sonhamos com o tempo em que a Educação possa alcançar a todo o nosso povo nas favelas"
Kalyne Lima, Co-Presidente Nacional da CUFA
"Meu nome é Bruna, não tenho hábito de leitura. O baile tem sido de extrema importância para a minha formação, por abordar assuntos que muitas vezes, sem apoio, não despertaria interesse em pesquisar sobre o tema. Desde o ano passado o baile ocorre de maneira virtual e alguns assuntos marcam. Um exemplo foi o baile sobre pessoas com deficiência, tratamos sobre o capacitismo. Hoje, a minha forma de me posicionar é diferente em relação a antes do baile. Agradeço ao professor Diogo pela disponibilidade e sempre conduzir o baile de forma maravilhosa, em trazer professores maravilhosos e à SBPC Paraíba pela parceria com a CUFA/PB. Todo esse trabalho não tem sido em vão. Gratidão!"
Bruna Fernandes, Secretária Estadual da CUFA Paraíba
"O baile das favelas têm sido de uma enorme importância para a formação humanística, cidadã e política das lideranças comunitárias de favelas que compõem a Central Única das Favelas (CUFA). Sou testemunha do tamanho deste belíssimo projeto conduzido pela SBPC Paraíba em parceria com a CUFA, porque me coloco nessa situação, de liderança comunitária que conhece o dia dia das pessoas e das comunidades, mas que, em determinados espaços a falta de conhecimento a respeito de algum tema limitava o entendimento e a contribuição que poderia dar. Por isso, sou grato ao projeto por proporcionar a oportunidade de absorvermos tanto conhecimento novo e expandir nossos horizontes"
Vitor Rodrigues, Líder da Comunidade de Muçumagro
"O baile é ótimo! Tem grande importância nesse período de pandemia, pois foram tratados temas importantes de forma responsável, trazendo pessoas capacitadas para abordar temas de grande relevância na nossa sociedade. Seguimos em frente para debater cada vez mais"
Paulo Alves, Associação Unificada dos Moradores do bairro São José
"O baile tem um papel importante na conscientização e orientação de alguns temas que pra mim eram tabus. Com a chegada dos temas e as discussões sobre os assuntos mais polêmicos, abriram-se leques de inspirações e certezas que antes eram obscuras e quase certas de nunca chegar a uma conclusão. Pra mim o baile veio como uma transformação. Abriu mentes, criou polêmicas, discutiu em grupos e colocou temas que eu jamais tinha visto. Além disso, reservou pra mim certezas de assuntos que antes não sabia a resposta mas que vieram à tona com o baile. Parabéns a todos que se envolveram, a todos os envolvidos e parabéns para mim que aprendi a me envolver mais nos assuntos. E viva o baile!"
Alexandre Araújo, Associação da Comunidade São Luiz
"O baile tem plena importância pra mim, principalmente em conhecimentos recebidos. É muito bom conversar assuntos polêmicos na sociedade em uma roda de conversa com pessoas e lideranças que têm histórias gigantescas na favela. É de arrepiar! Para mim, particularmente me ensinou muitas coisas, principalmente como evolução em alguns assuntos que nem me passavam pela cabeça que era daquela forma e não como é falado. Aprendi a me encaixar mais. Eu tenho uma timidez enorme e o baile me ajudou bastante a dialogar na comunidade. Os convidados são pessoas magníficas de um saber maravilhoso. Foi nas conversas, que todos se encaixaram com um pedacinho de história. Está sendo uma experiência única participar dos bailes"
Gabriela S., Comunidade Lagoinha, Cruz das armas
Diogo Lopes de Oliveira é professor do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Campina Grande, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba e Secretário Regional da Paraíba da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Email: diogo.oliveira@ufcg.edu.br
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